O Grupo Safras, um dos maiores conglomerados do agronegócio brasileiro, entrou oficialmente em recuperação judicial, revelando uma crise de grandes proporções que atinge desde indústrias processadoras de grãos até famílias tradicionais do campo. O processo envolve diversas empresas, milhares de empregos e duas famílias que comandam o império agroindustrial com raízes em Sorriso (MT) — a capital do agronegócio nacional.
O pedido, protocolado na sexta-feira, 4 de abril, inclui não só empresas do grupo, mas também produtores rurais pessoas físicas, como Pedro de Moraes Filho e Dilceu Rossato, que controlam os chamados Núcleo Safras e Núcleo Rossato. Juntos, enfrentam um passivo que supera a marca de R$ 2 bilhões, entre dívidas bancárias, fornecedores e credores diversos.
🌾 Raízes profundas, colheita amarga
O Grupo Safras foi erguido com base na união de Pedro e Rossato — ambos com longas trajetórias no setor agropecuário. A primeira empresa surgiu em 2010, e desde então, o conglomerado cresceu de forma acelerada, integrando toda a cadeia produtiva do agronegócio: armazenamento de grãos, esmagamento de soja, produção de etanol de milho, cogeração de energia e logística rural.
O crescimento, embora impressionante, foi marcado por decisões ousadas e ritmo intenso de expansão. Por trás do avanço estavam pesados investimentos, aquisições de ativos industriais e financiamentos — muitos deles estruturados com prazos curtos e elevado risco. Em meio a esse cenário, a governança e os controles internos não acompanharam na mesma velocidade, abrindo espaço para gargalos operacionais e fragilidades de gestão.
Esse modelo de crescimento acelerado — sem o devido equilíbrio entre escala e eficiência — acabou se tornando um fator de risco. Quando fatores externos adversos surgiram, a estrutura revelou sua vulnerabilidade e desencadeou um efeito dominó difícil de conter.
📉 Como a crise se instalou
Segundo o próprio pedido de recuperação judicial, a crise decorre de uma soma de fatores macroeconômicos e operacionais:
1. Queda do preço da soja
Em 2023, os preços da soja caíram mais de 27% em relação ao ano anterior, represando vendas e reduzindo drasticamente as margens de lucro. A combinação de supersafras globais e retração da demanda gerou um acúmulo de estoques e colapso de liquidez.
2. Endividamento elevado
O grupo acumulou dívidas substanciais com financiamentos de curto prazo. O capital foi usado para construir uma usina de etanol de milho e adquirir a COPAGRI — rebatizada como Safras Agroindústria — que trouxe um passivo adicional de mais de R$ 500 milhões. O alto nível de alavancagem, somado à pressão dos vencimentos financeiros, dificultou a reorganização interna em momentos de retração de caixa.
3. Troca problemática de sistema de gestão
A migração para um novo ERP (SAP), em 2023, resultou em falhas graves de gestão contábil e administrativa. A empresa contratada para a transição faliu antes de concluir o processo, e o grupo iniciou a operação com sistemas incompletos, prejudicando controles internos. Relatórios imprecisos, falta de rastreabilidade de estoques e desencontro de informações financeiras agravaram o cenário.
4. Disputa judicial por planta industrial
Uma das plantas mais importantes do grupo — em Cuiabá — foi alvo de um pedido de reintegração de posse, após disputa envolvendo a massa falida da OLVEPAR. A interrupção parcial das operações impactou dezenas de caminhões e afetou o funcionamento de toda a cadeia.
👨🌾 Núcleo Rossato: o campo também sofre
O Núcleo Rossato, formado por uma família tradicional de produtores com mais de 4.600 hectares cultivados, também sentiu os efeitos da tempestade. Segundo o pedido, as causas da crise incluem:
- Eventos climáticos extremos, como estiagens e chuvas fora de época;
- Alta dos insumos agrícolas, impulsionada pela valorização do dólar e escassez global de fertilizantes;
- Volatilidade nos preços das commodities;
- Juros altos e acesso restrito ao crédito rural.
Além disso, por integrarem garantias cruzadas com empresas do Grupo Safras, os produtores também foram atingidos pelas dívidas empresariais — demonstrando como uma estrutura de garantias mal calibrada pode espalhar o risco por todo o sistema.
🏛 O pedido de recuperação
A recuperação judicial foi solicitada com base no art. 69-G da Lei 11.101/2005, que permite a consolidação processual de empresas e pessoas físicas com controle societário comum. Cada núcleo apresentará seu próprio plano de recuperação, com o objetivo de reestruturar o passivo e manter suas atividades em funcionamento.
Entre os argumentos centrais, destaca-se o impacto econômico-social do grupo: milhares de empregos diretos e indiretos, arrecadação milionária de tributos e fornecimento essencial para a cadeia do agro nacional.
🔍 E agora?
O pedido marca um dos maiores processos de recuperação judicial do agronegócio brasileiro. A Justiça de Sinop decidirá sobre o deferimento da recuperação nos próximos dias. Caso aceite, o grupo terá 60 dias para apresentar um plano detalhado de pagamento aos credores, visto que boa parte do Rol é composto por produtores rurais.
Mais do que um pedido judicial, o caso do Grupo Safras escancara a vulnerabilidade estrutural de grandes grupos agroindustriais frente a choques externos. A crise também acende um alerta para os riscos de crescimento descompassado, alavancagem excessiva e fragilidade na governança interna — desafios cada vez mais comuns em um setor em plena transformação.